Brusque com gentileza é um movimento espontâneo criado ,por Durvalino Pereira e por admiradores do Profeta Gentileza com o objetivo de preservar e salvaguardar a sua obra e mensagem, estimulando a adoção da gentileza nas relações e sociais e diversos setores da sociedade,bem como estimular a cidade a adotar a gentileza como a sua marca maior.
Hora e Tempo de GentilezaA dimensão assumida pelo Profeta e a recorrência à sua figura no imaginário cultural brasileiro nos levam a constatação de um Tempo de Gentileza, expressão distintiva de uma modalidade ética de vida, em meio a tantas tensões e contradições de nossa época.
Gentileza, patrimônio cultural e afetivo,ético e social.
O final dos anos oitenta e início dos noventa marcaram a consagração da obra de Gentileza. Seus escritos, ali colocados, criavam percepções e perguntas: quem os teria feito e porque? Outra parte da população que transitava diariamente pelo Caju, acostumou-se a ver Gentileza trabalhando sozinho, diariamente, sobre uma escada apoiada à pilastra.
Gentileza estabeleceu um vínculo afetivo com toda aquela região entre o Caju e a Rodoviária. Estes laços estenderam-se também às pessoas que lhe acenavam e o reconheciam como um símbolo de abnegação e generosidade. Concluída a obra, o alcance da sua inscrição territorial sobre a cidade torna-se impressionante. Como slides diurnos, seus escritos passam a constituir a maior manifestação de arte mural pública de caráter espontâneo no Rio de Janeiro. Sua nova atitude - de escriba da cidade - reaviva sua figura lendária e mitológica.
Os escritos do Caju representam a obstinação e o desejo de um Profeta em fazer perenizar o seu verbo. A solução por ele encontrada mostra a agudez de seu senso estético. Pilastras de sustentação de um viaduto, lhe aparecem como tábuas de ensinamentos na cidade.
Esta apropriação da paisagem, levada a diante nos seus escritos, marca, profundamente, uma mudança na apreensão da imagem daquele local. A partir da sua intervenção, seu Livro Urbano torna-se a própria referência daquele território da cidade. Um patrimônio ameaçado é recuperado
Com o falecimento do Profeta, em maio de 1996, seus escritos não tiveram mais por quem, diretamente, lhes zelasse. Em agosto de 1997, uma ação equivocada da Companhia de Limpeza Urbana da cidade deixou ocultada quase a totalidade da sua obra. Sob o pretexto de limpar a cidade de pichações, seus escritos foram cobertos por uma demão de tinta cinza, deixando atônita e muda, boa parte da cidade que não entendeu as razões daquela atitude.
Na verdade, um silêncio cinza abateu-se sobre aquele território, criando um livro sem dizeres; um livro de páginas cinzas.
Um grupo de admiradores da obra do Profeta começou a discutir ações para a sua recuperação. Um período de chuvas, tal como uma providência dos céus, confirmou a suspeita de que nem tudo estava perdido: suas letras começavam a aflorar novamente sob o cinza.
Uma vez que as pilastras haviam sido cobertas com caiação, sua recuperação tornava-se uma possibilidade concreta; a cal poderia ser removida com uma lavagem adequada. Realizados alguns testes, confirmou-se a viabilidade da restauração da sua obra.
Entre a convicção de que a recuperação da obra de Gentileza era possível e o início dos trabalhos de restauração, transcorreram-se 18 meses.
Em janeiro de 1999 foi lançado o projeto Rio com Gentileza com a finalidade de desenvolver ações voltadas para a recuperação da obra do Profeta, associadas a uma campanha ética para a adoção da gentileza nas relações sociais da cidade. Entretanto, o início dos trabalhos só se daria nove meses depois. Diante de um momento de imobilidade total, arriscou-se uma estratégica "operação de luto" - embora a intenção igualmente fosse a de proteger as pilastras ao redor da Rodoviária, que vinham sofrendo ações de grafiteiros e pichadores. Assim, em dois finais de semana consecutivos de agosto de 1999, foram embrulhados, literalmente, os escritos murais de 15 pilastras com plástico preto. A reação não tardou. Amigos, estudantes e jornalistas começaram a manifestar-se descrevendo o ocorrido. As "pilastras pretas" começavam a se destacar no local, despertando o interesse não só da mídia, mas também de quem por ali, diariamente, circulava.
A restauração, efetivamente, só se iniciaria em setembro de 1999, numa iniciativa da Universidade Federal Fluminense em parceria com a Socicam (Rodoviária Novo Rio), Consórcio Novo Rio e Fosroc Reax.
Tempo de gerar gentileza
Procuraremos trazer agora para o leitor alguns fatos marcantes ligados à mobilização do projeto Rio com Gentileza, seus desdobramentos bem como a carga afetiva que se constituiu, nesse processo, em torno da figura de Gentileza.
O primeiro fator a nos mover em nossos trabalhos foi a própria força do profeta no imaginário popular do Rio de Janeiro e do Brasil. Falávamos em nossas reuniões do projeto desse afeto gratuito das pessoas pelo profeta, no simples fato de vê-lo nas ruas ou de cruzar com sua figura numa rua da cidade; afeto desinteressado gerado pelo que ele representa.
Como nos disse certa vez o antropólogo Arno Vogel: "a gentileza havia desaparecido há muito. O Gentileza, entretanto, continuava a apregoá-la, quando ela não era senão uma saudade no coração da metrópole".
Ao somarmos tantos esforços em nossos trabalhos, o fizemos ao modo de nosso Profeta, peregrinando, de forma insistente e persistente a muitos lugares sem perder a nossa determinação. Formamos um grupo inicial de trabalho, onde os artistas Dado Amaral e Simone Nascimento, que também conheceram Gentileza em vida, foram imprescindíveis articuladores no meio artístico, para, a partir dali, planejarmos as nossas estratégias. Quanto à possibilidade da restauração dos escritos, foi fundamental a participação da arquiteta Regina Prado, que nos assegurou, juntamente com técnicos de órgãos ligados ao Patrimônio cultural, a viabilidade concreta dos trabalhos.
Iniciamos as nossas ações em duas direções simultaneas : uma, visando sensibilizar as autoridades e a população para a recuperação de um patrimônio cultural que estava sendo ameaçado; e a outra, voltada para a questão ética da gentileza, no domínio das relações sociais.
Assim, em 20 de janeiro de 1999, dia de São Sebastião, padroeiro da cidade do Rio de Janeiro, oficializamos o Projeto Rio com Gentileza, recuperando simbolicamente a Pilastra 1. No mesmo dia, mais de cem artistas, sensibilizados e contagiados pela mensagem do Profeta, animavam com alegria, através da sua arte, a praça em frente à Rodoviária Novo Rio. Além da presença de familiares do Profeta, músicos e bandas, artistas mambembes, artistas circenses, poetas e estudantes, em meio a um colorido cenário circence enfeitado por carroças, bandeirolas, flores e faixas, atraíram os olhares de curiosos transeuntes e passageiros de ônibus. Nesta ocasião pudemos constatar claramente, ao sermos abordados por pessoas presentes que nos traziam os seus relatos, que o mito de Gentileza ainda habita vivamente o imaginário popular.Isso nos fortaleceu a prosseguirmos em nossos propósitos, ampliando contatos nos vários setores da Prefeitura do Rio e junto à iniciativa privada. Após o apoio e o sinal verde da Pró-Reitoria de Extensão da UFF, através do Prof. Firmino Mársico, inciou-se, em setembro, a primeira fase dos trabalhos de restauração nas pilastras mais próximas à Rodoviária.
Paralelamente, foi elaborada uma extensa programação cultural condensada numa semana de outubro, período em que estariam sendo entregues à cidade, totalmente recuperadas, as primeiras 15 pilastras. A programação da "Semana da Gentileza" contou com a adesão de artistas de expressão local e nacional, e a presença expressiva do público. A abertura desta semana aconteceu num domingo com a Caravana da Gentileza, uma caminhada na Praia de Copacabana por um Rio mais gentil, tendo como Padrinhos da Gentileza o carnavalesco Joãosinho Trinta e a atriz e cantora Zezé Motta, além da participação de vários artistas e movimentos sociais organizados. A programação contou ainda com uma exposição na Rodoviária Novo Rio e um show na Praça XV, com a participação de várias bandas musicais e poetas.
A partir daí, recebemos o apoio efetivo da Secretaria Municipal de Cultura do Rio, necessário e fundamental para continuarmos o empreendimento dos trabalhos de restauração das pilastras restantes.
Foram, ao todo, nove meses de trabalhos exaustivos de restauração, em meio ao intenso tráfego de veículos, sobre o impacto constante da poluição ambiental e sonora. Em 6 de maio de 2000 foi entregue, em cerimônia oficial, com a presença de autoridades, artistas e público em geral, este imenso patrimônio cultural e afetivo da Cidade Maravilhosa. Súmula dos trabalhos técnicos de restauração:
1. Visitas a técnicos e especialistas em restauração no âmbito do IPHAN para definição do modelo de restauração, bem como dos materiais e procedimentos a serem utilizados nesse trabalho. 2. estudo e reconhecimento dos elementos gráficos constitutivos da escritura de Gentileza, com vistas à sua reprodução. Pôde-se verificar, a partir da observação dos escritos, e de exame de material fotográfico dos 55 murais (realizado, antes da caiação, em 1995), a existência de um padrão de tipologia específica de letras e símbolos no local. 3. Remoção da camada de cal existente sobre as pinturas, através de lavagem, com água sem pressão e sabão neutro. Esta lavagem possibilitou o resgate dos elementos gráficos, quase em sua totalidade. Em duas pinturas (pilastras 8 e 14), que encontravam-se grafitadas, foi necessário o serviço de decapagem manual para que se pudesse reencontrar os escritos originais. 4. Repintura com tinta acrílica dos murais, inicialmente, a partir do fundo branco, seguido da recomposição das pautas (faixas) verde e amarela, e posteriormente, das letras e símbolos. Em alguns casos, fez-se necessária a reconstituição de trechos faltantes, com base na documentação iconográfica. 5. Aplicação de selador, protetivos anti-poluição e anti-pichação, à base de poliuretano, a partir de recomendação técnica e do fornecimento do material por representante especializado. 6. Equipe: Pesquisa e Coordenação geral: Leonardo Guelman; Consultoria de restauração: Regina Prado; Restauradora: Rosana Ricalde; Pintores/artistas plásticos: Felipe Barbosa e Simon Serra Grande: Assistentes de restauração: Areolindo Évora, Bruno César Euphrásio de Mello, Ivo Mattos Barreto Junior, Marcus José Sarmento Pereira e Michel Storck; Produção: Marianna Kutassy e Renata Blasi Novas ressonâncias Os trabalhos de restauração já se aproximavam de sua finalização, e cumpria-se então uma direção do projeto, perseguida obstinadamente.
A outra vertente, porém, encontrava-se ainda por fazer: a adoção da gentileza como um novo paradigma nas relações humanas e sociais. Vislumbrávamos um movimento multiplicador - o gerúndio do Profeta: gentileza gerando gentileza. Haveríamos de ser mais uma vez criativos... Fomos então surpreendidos ao tomarmos conhecimento de diversas iniciativas no meio artístico, enfocando o tema da gentileza.
Sugeriram-nos estes novos movimentos e adesões o prenúncio de que é tempo de reassumir gentileza.
Gentileza, o Profeta que vem inspirando, ao longo dos anos, cineastas, poetas, músicos e videomakers, reaparece agora na obra de outros artistas de alcance nacional e internacional.
Contagiada pelo Profeta desde a sua adolescência, quando se defrontava com a sua figura nas ruas da cidade, Marisa Monte se propôs a prestar-lhe uma homenagem, justamente no momento do ocaso da obra do Profeta. Afetada também pelo episódio do apagamento dos escritos, compôs a música Gentileza , onde expressa a importância da sua mensagem. Na música, aludindo aos tempos velozes da cidade contemporânea, Marisa sugere uma parada, para que possamos ter um tempo para ler as "letras e as palavras de Gentileza".
Diz assim a música Gentileza, que integra o CD Memórias, Crônicas e Declarações de Amor:
Apagaram tudo Pintaram tudo de cinza A palavra no muro Ficou coberta de tinta
Nós que passamos apressados Pelas ruas da cidade Merecemos ler as letras E as palavras de Gentileza Por isso eu pergunto A vocês no mundo Se é mais inteligente O livrou ou a sabedoria
O mundo é uma escola A vida é o circo Amor palavra que liberta Já dizia o profeta. Os temas do circo, do mundo como escola (Escrito 55) e a parábola do livro e da sabedoria aparecem tratados com singeleza. A questão da gentileza é, de novo, um despertar para atitudes com as quais lidamos diariamente. Diz Marisa à jornalista Paula Alzugaray (Isto é Gente): "vivemos nas cidades rodeados de indiferença. O que gera a violência é o anonimato no meio da multidão"... "Gentileza pregava o amor fraterno e propunha às pessoas que dessem atenção umas às outras e criassem intimidade, o que faz muito bem à saúde. Um Profeta é isso: alguém que ilumina as pessoas".
Na sua série de shows, inicialmente no Rio de Janeiro, seguindo depois para várias cidades do país, a sensibilidade de Marisa para estas questões vem atraindo a atenção para a figura do Profeta como símbolo da gentileza. Outro cantor brasileiro a lhe dedicar anteriormente uma música, foi Gonzaguinha (LP Cavaleiro Solitário) que percebeu também, a profundidade e a sinceridade das palavras do Profeta. Falava Gonzaguinha ao apresentar a música: "Dizem que ele é um louco; eu digo que ele é um Profeta".
Em 2000, o carnavalesco Joãosinho Trinta, resolveu homenageá-lo com o enredo Gentileza X O Profeta do Fogo pela G.R.E.S Acadêmicos do Grande Rio, no carnaval do ano seguinte.. Entendendo a gentileza e a alegria como energias transformadoras do Terceiro Milênio, Joãosinho exaltou a grandeza do desprendimento do Profeta, vendo-o em proximidade à São Francisco. Esta aproximação foi também observada por Leonardo Boff, num outro contexto. Gentileza inspira o "mito do cuidado", o "Princípio feminino" e uma nova relação com a Natureza "sucateada pelo CAPETA CAPITAL".
Quanto a aura de Gentileza, diz Joãosinho: "O Profeta Gentileza, pela sua candura, como São Francisco poderia ser chamado de Irmão Sol e Irmão Lua." No enredo, Joãosinho abordou também o tema do circo e do fogo como símbolo da justiça e da transformação do mundo.
Aludindo ao poeta Marco Antônio Saraiva, o carnavalesco vê no Profeta alguém que sofria vendo uma nova "Idade Mídia" repetindo a antiga Idade Média ou Idade das Trevas. Para Joãosinho, tal como naquele período medieval, repete-se hoje a tristeza do passado: confrontam-se forças antagônicas, lutas de poderosos dentro de palácios enquanto o povo sofre as misérias, as fomes e as pestes. Assumindo a sabedoria universal de Gentileza, Joãosinho espera que os ensinamentos do Profeta repousem na mente e no coração de todos os brasileiros e que suas palavras sejam, para sempre, lembradas. Diz assim o samba enredo da GRES Acadêmicos do Grande Rio: Novo milênio Avança o homem para o espaço sideral Em busca de mensagem positiva Valorização da vida, o amor universal Na arena alegria e dor Triste legado que Roma pagã deixou..Ô..Ô..Ô..Ô.. Pelas vozes foi guiado O arauto iluminado A mudar o seu destino Renuncia a ambição Ao seguir a intuição José Datrino
Deixa clarear... Idade Média nunca mais... Gentileza anuncia BIS No raiar de um novo dia Um clamor de amor e paz
Das flores a beleza Para o mundo recriar O vinho é a vida É preciso festejar Considerado louco O poeta foi bem mais Deixando nas pilastras As palavras imortais Com a sabedoria universal Pregava contra o mundo desigual Gentileza gera perfeição Violência não
Era de "Aquárius"... tempo de amor A Grande Rio ... iluminou Profeta faz nascer BIS Do fogo alvorecer Irmão Sol a verdade é você
Compositores: Carlos Santos,Ciro, Claudio Russo, Zé Luiz Intérprete: Quinho da Grande Rio Essas homenagens e releituras de Gentileza e da gentileza nos dão conta da sua força e latência na simbólica da cultura brasileira. A importância da adesão de grandes artistas só fez reviver a força expressiva do Profeta. Esse novo Tempo de Gentileza trouxe também a convicção da importância da preservação da sua obra, uma vez restaurada. A salvaguarda de um patrimônio Em fevereiro de 2000, a Universidade Federal Fluminense encaminhou ao Departamento Geral do Patrimônio Cultural (DGPC) e ao Conselho Municipal de Patrimônio Cultural do Município do Rio de Janeiro, o pedido de tombamento de toda a obra gráfica de Gentileza no Viaduto do Caju. Após longos estudos e análises, em dezembro do mesmo ano, foi finalmente tombado, o Livro Urbano de Gentileza, com seus 56 escritos murais. Essa decisão significou um passo importante para a salvaguarda e permanência da obra de Gentileza na paisagem e no imaginário do Rio de Janeiro e do País. Desde então compete à municipalidade zelar por sua preservação e manutenção, tarefa que precisa ser assegurada e garantida para além do seu tombamento. Curiosamente, no ano anunciado em que o "diabo perde o seu mandato", assegura-se, em grande parte, o legado de Gentileza transposto em sua mensagem: No mesmo ano, outro importante reconhecimento: o Instituto dos Arquitetos do Brasil, concedeu o Prêmio Urbanidade 2000, ao projeto Rio com Gentileza, pelo conjunto de suas ações de preservação da mensagem e da obra do Profeta.Outras homenagens ao Profeta Seria-nos impossível abarcar aqui as várias homenagens feitas ao Profeta Gentileza e os inúmeros trabalhos que ele inspirou, sem mesmo se dar conta. Aos poucos nos chegam novas histórias e novos relatos de suas aparições inusitadas em manifestações públicas, de flashes do cotidiano registrando sua presença e incursões pelo país. Uma delas é recente e nos foi enviada pelo Fred de Mirandópolis, grande admirador do Profeta, e mostra Gentileza na passeata dos cem mil, no Rio de Janeiro em 1968 (cf. Enciclopédia Barsa pgs )
As homenagens multiplicam-se: o pintor Naldo Navajas de Ouro Preto, terra querida do Profeta, nos envia um retrato onde o profeta se faz modelo para o pintor. Da pintura aos cordelistas com Thomas Back e Edmilson Santini e para o teatro com Cláudio Mendes e, também com Josué ... . Destes, a cantadores e artistas populares como a Cia.
Carroça de Mamulengos que assume a gentileza como forma de vida. Na dança, no vídeo e na moda surgem novas "gerações" da gentileza, assim como em pesquisas e trabalhos acadêmicos. Somente o fascínio gerado pela imagem e pelo carisma de Gentileza pode explicar esta efervescência, que não vem de hoje.
Não poderíamos deixar de registrar mais algumas destas incursões sobre a obra do Profeta, e que nos levam a voltar a alguns anos. Destacamos aqui o importante trabalho de interpretação do grafismo de Gentileza feito por Vanessa Bittencourt, realizado como trabalho de conclusão de curso em Desenho Industrial e que resultou na Exposição Documental Gentileza Gera Gentileza, realizada na UERJ em fins de 1995, e o vídeo Gentileza de Luiz Eduardo Amaral (Dado) e Vinícius Reis, lançado no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio) no mesmo ano.
Nesse mesmo período, Leonardo Guelman e Neimyr Guaycurus lançavam o vídeo Univvverrsso Gentileza no Centro Cultural Pascoal Carlos Magno, em Niterói. Estes eventos contaram com a presença do Profeta, que contagiou o público com a sua magia. No ano seguinte, em maio de 1996, Gentileza viria a falecer em Mirandópolis.
Em 1997 Leonardo Guelman conclui sob a orientação do teólogo e Professor Leonardo Boff sua dissertação de mestrado em filosofia na UERJ, intitulada UNIVVVERRSSO GENTILEZA: a Gênese de um Mito Contemporâneo. A simbologia trinitária do Profeta, sua denúncia do Capeta-Capital e a afinidade de Gentileza com o esprit de finesse pascalino, levaram também Boff a descrevê-lo em vários artigos e em seu livro "Saber Cuidar" (1999) como uma das figuras exemplares do cuidado, ao lado de grandes místicos da humanidade.
O cineasta Dado afirma que Gentileza é uma espécie de ímã no (seu) imaginário. A força dessa recorrência levou-o a uma nova imersão fílmica na obra do Profeta: o curta "Por Gentileza". Desde 2002, o cineasta vem se empenhando para a conclusão de sua trilogia do Profeta - em seu desejo de levar às telas o filme "O Profeta Gentileza contra o Capeta Capital".
De lá pra cá, outros campos vêm se semeando. Na área da educação e do fortalecimento da cidadania o tema vem se ampliando, como se verifica no trabalho com alunos do ensino médio e fundamental de escolas do Rio de Janeiro, coordenado pela professora Danielle Bessa. (2004-2005).
Algumas datas tornaram-se motivo para que muitas dessas ações se (re) encontrassem. Assim em 2007, ano em que o Profeta completaria 90 anos, realizou-se uma comemoração festiva na Rodoviária Novo Rio, contando com a participação de poetas, músicos, atores, professores, alunos da rede pública de ensino e do grande público passante. Num grande telão o público assistia também ao filme de Dado Amaral e ao clipe da música de Marisa Monte. Iniciou-se nessa data a lavagem simbólica dos escritos nas pilastras no entorno da Rodoviária, pela Comlurb, tornada parceira da iniciativa. Em 2008, as atividades repetiram-se, contando, desta vez, com a participação dos artistas circenses integrantes da ong crescer e viver.
No conjunto de releituras da obra e da estética do Profeta, o crescer e viver, importante instituição ligada ao circo social no Brasil, escolheu como espetáculo para 2008, o desafio de levar o UNIVVVERRSO GENTILEZA para a linguagem circense. Tal desafio nos entusiasma também, não apenas pela referência a esta pesquisa, mas também por devolver o Profeta Gentileza ao solo de onde emergiu: a mitopoiesis do circo-mundo.
Outros movimentos e leituras, certamente ainda virão, ampliando e trazendo novos significados para sua obra. Cabe-nos aprender, com cada um destes, novas abordagens do Profeta e de sua semiótica.
Mas nesse transcurso, estaremos, também, diante de novos desafios, pois, todo o alcance e "visibilidade" da obra de Gentileza atraiu abordagens e "utilizações" que, em alguns casos, se mostram em desacordo com o sentido mesmo de sua mensagem; ocasos serão, também, inevitáveis em tempos de banalização e apropriação inadequada de conteúdos. Tal circunstância não nos deixará indiferente. Nossa reserva e olhar crítico podem converter-se, se necessário, na práxis e na verve da denúncia, bem à maneira de Gentileza.Uma ética e uma política da memória Em tempos "espetaculares" de banalizações e recortes de superfície é preciso revelar, continuamente, a profundidade e a força expressiva do legado Gentileza em sua capacidade de fazer-se dizer como linguagem viva (inesgotável). Seria esta uma verdadeira reinvenção de sua inventividade e talvez, seja esta a vereda aberta pelo próprio profeta no convite para que dele e de sua mensagem nos valêssemos.
Usem amorrr e gentileza! Não há nada de mais extraordinário no cotidiano, e despojado como expressão de simplicidade do que esse "modo de usar" oferecido às pessoas. É nesse sentido que a simbólica do Profeta não se circunscreve a limites utilitários, embora estes, por vezes, venham a se utilizar das suas expressões.
Se a memória é também um modo de usar, é preciso cuidar dos sentidos que fazemos dela. Uma matriz simbólica como a gentileza, inscrita na figura do Profeta, embora guarde uma dimensão arquetípica e mitológica - como desenvolvemos em outros momentos desse estudo - não é algo imutável ou restrito a um determinado tempo e espaço. É justamente pelo fato de incorrerem atualizações e "apropriações" sobre esta matriz, que seus sentidos entram em jogo e que impasses ético-estéticos aí se colocam.
Por isso, podemos falar da gestão da memória como uma tarefa política, ou seja, como uma política do sentido, pois são os usos sígnicos que se desdobram e se sobrepõem a uma determinada matriz, que revelam e atualizam a cada tempo, seus significados.
Se uma expressão simbólica nos inspira o cuidado, do mesmo modo, devemos ter cuidado ao nos valermos dela. Desse modo, tocamos um desafio que envolve as símbólicas do mundo, diante do curso das (re)significações.
Trata-se, pois, de procurar resguardar nas expressões simbólicas sua própria profundidade, diante de forças que atuam tal como um empuxo, tencionando-as para uma superfície sem fundo, como imagens, cada vez mais planas e opacas. O mesmo se processa na produção do imaginário: profundidades que se comprimem e se achatam, convertendo o que é denso e experencial, num valor abstraído da sua própria vivência.
O símbolo remete à ex-peri-ência, ou seja, à possibilidade de apreensão vivencial e profunda de seus sentidos, o que se distingue muito de um simples valor de referência. Enxergar unicamente um valor, onde antes se via a profundidade de uma experiência, é assimilar a hegemonia de uma epistème rasa. E não é de se espantar que a palavra (etmo) valor tenha sido cooptada nesse processo, o que não deixa de indicar um modo de fazer submeter todas as formas de valoração (ética, social, política e estética...) ao valor, por excelência, do capital.
Por isso, a gentileza não é meramente um valor a ser estimulado e divulgado, mas um modo de existir a ser experenciado; mais do que um valor reificável, que se destaca da relação das pessoas como um objeto-marca, ela deve ser resguardada como um sentido aberto à experiência do mundo, que converge de sua exemplaridade mítica, mas que ao mesmo tempo, se funda na concretude das sociabilidades.
Essa dupla natureza de convergência e emergência no uso da gentileza revela a expressão de sua atemporalidade. Talvez esteja aí uma das chaves para entendê-la como "objeto de patrimônio". O que se ressalta em Gentileza e na sua produção é o fato de sua presença e mensagem nos confrontarem com o desafio da convivialidade, essência da matéria ética.
Por isso, quando ele exalta poeticamente, em convite, o uso da gentileza, ele nos lança no desafio cotidiano do ser humano, como um patamar mínimo de compreensão da vida, que nos leva também a não usarmos problemas e pobrezas. Nesse sentido, seu legado é muito mais um modo de usar e de conduzir-se na vida, do que um modo de lembrar, ligado a uma tradição materializada.
Há duas dimensões do legado de Gentileza: uma primeira, que resulta da sua produção simbólica e artística presente nos viadutos do Caju (Livro Urbano), bem como em manuscritos e peças de sua indumentária; e uma segunda, de âmbito imaterial, que é o pano de fundo que dá sentido à concretude de sua produção, que se revela na expressão de sua ética e religiosidade. Pensar em Gentileza como um patrimônio do Rio de Janeiro e do país é pensar no sentido dessa imaterialidade que anima sua produção material.
De um plano chegamos a outro, pois tanto o Livro Urbano e outras "materializações" do Profeta nos colocam em contato com a sua mensagem de cunho universal, quanto sua ética e sua exemplaridade, como um modo de conduzir-se diante da vida, se concretizam em sua figura, escritos e obras.
Em tempos em que também se discute a imaterialidade do das expressões culturais, o Profeta Gentileza caracteriza uma singularidade pela amplitude de sua inserção neste tema e pelos sentidos que se entrelaçam na sua consideração como patrimônio cultural, artístico, afetivo e por tudo que sua figura, vivamente, representa e atualiza. Pois não se trata, como ressaltamos, de um legado deixado lá atrás como expressão de outro tempo, ligado, tão somente à singularidade de um personagem e de uma escritura; trata-se de um sentido, que a partir destes, tem a capacidade de se (re)atualizar a cada momento e de produzir convergências no real, elaborando sínteses que podem variar de tempo em tempo.
A gentileza será sempre a afirmação de um ethos em resposta às crises relacionais, mas apontará, primeiramente, um modo de caminhar no mundo. Para além de qualquer valor documental e sociológico, o caráter distintivo de sua consagração como patrimônio, resulta de sua natureza essencialmente ética. É esse o sentido principal da imaterialidade da sua expressão, não aqui descrita em ritos ou folguedos, mas tendo como referência uma disposição da sensibilidade humana.
Tanto o profeta quanto a disposição que o designa, a gentileza, caracterizam expressões elevadas do patrimônio imaterial do Rio de Janeiro e do país, por tudo que simbolicamente inspiram, relacionam e iluminam, como uma espécie de numina; por tudo que resguardam e protegem no humano - em si mesmo; por uma ética a ser apre(e)ndida como forma de convivialidade; como um Princípio de desprendimento das amarras do mundo do favor e da obrigação; como reserva de utopia no mundo e afirmação generosa da alegria; como desígnio de grazzie e, fundamentalmente, como dimensão do noos (espírito) que a tudo recobre: o humano, a natureza e o cosmos.